DEMOKRISIS

A CRISE DA DEMOCRACIA

Thursday, April 21, 2005

LIMITAÇÃO TEMPORAL DOS MANDATOS

Tudo tem limites. Até o desaforo.
O que é de mais é moléstia, diz o povo. E lá terá as suas razões.
Já Luís de Camões entoava: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,/ Muda-se o ser, muda-se a confiança: /Todo o mundo é composto de mudança,/ Tomando sempre novas qualidades.” E, vendo a realidade que o cerca, acaba por lamentar “Que não se muda já como soía”.
A mudança, de facto, impõe-se, quanto mais não seja por obediência às leis da natureza e também para evitar que, por força de estar no poder tempo desmedido, a pessoa crie raízes, musgo, bolor e, qual camaleão, acabe por se confundir com a própria função e fique tudo virado do avesso: o particular a sobrepor-se ao colectivo, o indivíduo a subjugar a comunidade, o titular a tornar-se mais importante que o cargo. A perpetuação no poder pode levar â metamorfose que o próprio Camões vislumbrou no amor: “Transforma-se o amador na coisa amada...”, o servidor em senhor, o mandatário em mandante.
A mudança impõe-se, além do mais (leia-se a propósito o elucidativo artigo do Professor Jorge Miranda “Limitação de mandatos” no Jornal Público de 21 de Abril de 2005), para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.
Percebo e aceito todos os argumentos a favor da limitação do número de mandatos. De todos os argumentos contrários à tão desejada limitação, apenas um me sensibiliza. É o argumento que assenta na soberania popular - com a limitação de mandatos estaríamos a impedir que o povo votasse em quem quisesse, quantas vezes quisesse. Argumento de peso, sem dúvida, mas falacioso, logo, perigoso e apenas esgrimível por quem queira perpetuar-se no poder à custa da alienação popular. E nunca vi ninguém lamentar que o Presidente da República esteja limitado a dois mandatos.
Se o povo estivesse todo ele esclarecido, instruído, com o desejável nível de conhecimento, de responsabilidade e empenho, com a argúcia suficiente e necessária para não se deixar influenciar pelo populismo, pelo temor reverencial, pelo caciquismo; se o povo estivesse a coberto da chantagem, da propaganda festivaleira, balofa, enganadora; se os candidatos fossem todos impolutos, desinteressados servidores e não predadores das comunidades a que presidem, tudo bem. Estaríamos no país das maravilhas e tudo correria na perfeição. Mas até os mais ingénuos sabem que não é assim o nosso mundo e que, por isso, mais vale prevenir que remediar, e há que garantir o bom funcionamento das instituições, para lá das misérias e fraquezas humanas. Até porque, se um dia conquistássemos o paraíso na Terra, por certo já nem seriam precisos governantes ou, então, estes seriam os primeiros a solicitar a limitação do número de mandatos, por, depois de bem servir o país, a região, a autarquia, durante oito ou doze anos consecutivos, já se sentirem cansados e com direito a um merecido descanso.
Que os dinossauros repousem, pois, em paz, se a merecerem, antes que a morte chegue e os apanhe desprevenidos.
André Moa

5 Comments:

  • At 10:33 AM , Anonymous Anonymous said...

    Caro Moa. Completamente de acordo. Só que, como em tudo na vida e principalmente na política haverá choradeira dos opositores a essa mais que correta lei de limitação de mandatos. Haverá aqueles (poucos) autarcas que corretamente desenvolvem os seus concelhos com muito trabalho e bastantes ideias e no final de oito ou doze anos se perguntarão das capacidades do seu successor para dar prosseguimento ao bom trabalho desenvolvido e também aqueles (muitos) autarcas que apenas procuram proveito próprio e protagonismo para alguns amigos e principalmente para a família e que se estão marimbando para o que o Zé Povinho possa pensar, porque o importante é que nesse espaço de tempo tenha feito o máximo de progresso privado a todos os niveis. E quem vier depois que se vire, que faça igual ou que seja parvo e faça como o povo quer. Por isso a "Limitação Temporal" é óptima mas depende da intensidade do "Temporal" e tudo o que vem junto na enxurrada... Compreendeste ?!.

    Suor do Xisto

     
  • At 11:44 AM , Anonymous Anonymous said...

    Até eu compreendi, quanto mais ele!
    Claro que é isso mesmo....infelizmente! Quem realmente ama o povo e desejaria servi-lo, normalmente não tem chance de chegar a exercer o poder!
    Quem é idealista e nobre de sentimentos, não tem chance, é cilindrado! Isto é o que vemos todos os dias... mais uma vez....infelizmente!

    Bjs DAD

     
  • At 12:15 PM , Blogger Andre Moa said...

    Caro Suor do Xisto,
    já deu para perceber que chegaste bem e com a energia e generosidade de sempre. Julgo que percebi o teu recado. Felizmente as leis são genéricas e abastractas, por isso abrangem toda a gente, justos e pecadores. Mas aqui não se trata de julgar ninguém, mas sim de prevenir abusos ou maus usos e o desgaste do tempo que cansa e esgota até as árvores mais frutíferas durante algum tempo. Um abraço
    André Moa

     
  • At 6:54 AM , Anonymous Anonymous said...

    OLÁ MOA.
    Tenho lido todos os teus artigos e tenho apreciado bastante.
    Já tinha pensado em fazer alguns comentários,principalmente para te dizer que continues, que vais muito bem nesta tua nova maneira de comunicar com o teu "POVO"
    Hoje ao ler o artigo sobre "A limitação Temporal de Mandatos", por ser um assunto em que realmente estou totalmente de acordo, o que me levou a entrar nesta resposta anónima?,foi o que os dois comentaristas "Suor do Xisto" deve ser natural do Douro e da "Bjs DAD"e como ela diz que até ela entendeu, é como eu também entendi o que os dois queriam dizer, tive um impulso dentro de mim que fez com que eu aqui esteja a comentar.
    "Infelizmente os Idialista os bem intencionados e cheios de vontade de trabalhar para bem da comunidade são sempre cilindrados "!...
    Agora pergunto eu: Até Quando?
    Será que os outros os cilindradores
    serão em maior número que os honestos, os idialistas, os que têm vontade de trabalhar para bem do povo? Terão aqueles mais garra que estes? Aqui também digo que não
    O que falta aos idialistas e é preciso, mudar é não terem medo de ir à luta.Terminou o espaço. Atento

     
  • At 4:00 AM , Blogger Gustavo Monteiro de Almeida said...

    Bom dia.

    Concordo plenamente com a necessidade de uma lei de limitação de mandatos.

    No entanto, também tenho consciência que tal lei poderá ser injusta para alguns autarcas que têm desenvolvido o seu trabalho meritório, e que, com bem refere o «Suor do Xisto», temerão que aqueles que os possam vir a suceder, deitem por terra todo um trabalho sistemático e coerente desenvolvido nos anos anteriores.

    Apesar de tudo isso, sempre se dirá: A lei é injusta, mas é a lei.

    Os fins que visa proteger serão superiores aos interesses que possam estar em causa no caso concreto.

    Bem ou mal, com todas as imperfeições de um ordenamento jurídico, visa-se acima de tudo, a rotatividade democrática e a limitação dos mandatos, tendo como escopo o desenvolvimento do país.

    A ver vamos... No entanto, creio que esse novo prisma obrigará os políticos portugueses a reverem a forma desenfreada, e muito arredada do Povo, como fazem a política (política que neste momento tem um sentido pejorativo).

     

Post a Comment

Subscribe to Post Comments [Atom]

<< Home

Norberto MacedoLembranças de Outono

Powered by Blogger

Subscribe to
Posts [Atom]