DEMOKRISIS

A CRISE DA DEMOCRACIA

Wednesday, February 08, 2006

Fátima vai a Fátima


Como não quero ser o leit motiv de uns tantos fogos postos a umas quantas bandeiras e outras tantas embaixadas por esse mundo fora, não vou pronunciar-me e muito menos gizar cartoons “blasfemos”. E como presumo que por estas paragens já ninguém será queimado vivo pela santíssima inquisição por se dar livre expressão ao pensamento, seja por palavras, actos ou omissões, vou reportar-me a uma notícia caseira que seria bastante corriqueira se não tresandasse a duplo milagre, a dupla alienação, à perigosa e milenar fusão alienatória entre política e crença.
Em minha opinião, milagres só a natureza os faz. E porque são da natureza, nem milagres se chamam, mas apenas fenómenos naturais. Ainda que raros. Ainda que envoltos em mistério, porque ainda não desvendados, ainda não estudados, ainda não compreendidos. Os outros, sejam os de Fátima sejam os de Felgueiras, porque autênticos milagres, não passam de autênticas alienações.
E continua a ser minha opinião que a causa dos milagres está na capacidade de se acreditar em intervenções sobrenaturais, na capacidade de alienação sentimental. Depois, tudo depende da predisposição para a aceitação do inaceitável.
Houve milagre em Felgueiras? Houve. Houve promessas em Felgueiras para se ir a Fátima, se, em Felgueiras, Fátima ganhasse? Parece que sim. Agora que Fátima ganhou em Felgueiras, há que cumprir a promessa, sob pena de caírem raios e coriscos divinos sobre Felgueiras.
Fátima Felgueiras não pode faltar, por isso vai. Vai do local do milagre à fonte do milagre, a enfeitar o molho de alienados. Poderia lá faltar, ela que personifica o milagre e condensa no próprio nome o local e a fonte! E lá vai! E lá vão todos à molhada e fé em Deus.

Thursday, January 19, 2006

Dar voz num Blog

Dar voz num blog!

O MEU AMIGO ONÉSIMO!

O meu amigo Onésimo, se tivesse um blog, verteria nele o que abaixo segue. Como os amigos são para as ocasiões, "empresto-lhe um dos meus", até porque só enriquecerá o blog e todos os que a ele acedam.
André MoaSe eu tivesse um bloque esta seria uma entrada.Domingo, por mero acaso, num ajuntamento familiar em casa da minha mãe para celebrar os seus 89 anos, dei com o rabo do olho uma piscadela de trinta segundos ao noticiário da RTPi quando estava o Francisco Louçã em conversa na rua com transeúntes. Captei o seguinte diálogo:Um homem dos seus setenta anos: - Ouvi dizer que foi seminarista.Francisco Louçã: - Isso é uma calúnia! Reconsidera um pouco e acrescenta: - É uma invenção!Como o diálogo deveria ter sido:Homem da rua: - Ouvi dizer que foi seminarista.Francisco Louçã: - Isso é uma invenção!Homem da rua: - Mas parece seminarista!Francisco Louçã: - Isso é uma calúnia!Homem da rua: - Contra os seminaristas?abraço.


Onésimo

Sunday, December 11, 2005

Cristos,Crucifixos e escolas...

UM CRISTO LAICO

Tanto ouvi falar e tanto li sobre os crucifixos nas escolas que não resisti em meter a colherada em tão acesa quanto insonsa polémica.

Aqui vai, pois, esta pitada de pimenta para temperar a caldeirada.
Cristo era laico, e também ele se opôs aos vendilhões do templo, aos sacerdotes, aos respeitadores do sábado, aos sepulcros caiados, aos publicanos, aos ricos, aos dominadores, aos que pretendem impor a sua vontade, os seus ideais, a sua religião, os seus pontos de vista, aos demais.


Por estas e por outras parecidas a estas é que ele foi crucificado.
Tenho a plena convicção de que se ele vivesse nos dias de hoje e pensasse e agisse como pensou e agiu quando por cá andou, se opunha à exibição de crucifixos por tudo quanto é sítio. Para mais nas escolas, à frente de inocentes criancinhas a quem o sangue, a simples lembrança de sangue, costuma arrepiar.


Se para bom entendedor meia palavra basta, eu mais não acrescentarei, por desnecessário, para que seja retirado das paredes e dos muros, seja donde for, tão sangrento ícone. E tudo em nome de Jesus que tanto fez, ensinou e sofreu a pensar no bem da humanidade.

Sunday, November 06, 2005

Tempos de pensar e de olhar a grandeza do mar...

SEM NOBREZA

Tenho da política e dos políticos que a professam com um sentido de missão, de profissão, um alto conceito. Entregar-se, por toda a vida, oferecer toda a vida, colocar a vida inteira ao serviço da polis, da civitas, dos cidadãos, dos povos, sempre constituiu para mim motivo de profunda admiração e reconhecimento. A política é um serviço e uma arte plenos de nobreza e exaltação.
Os políticos que à política se dedicam com entusiasmo e espírito de solidária actividade são os verdadeiros heróis dos tempos modernos. Daí que haja tão poucos bons políticos.
Como tudo o que é nobre, a política exige dedicação permanente, amor eterno, paixão, lucidez, sensibilidade, lealdade, frontalidade, raça e nobreza por parte de quem a serve. A política implica denodo e investimento, profissionalismo e entusiasmo.
Por isso, abomino a politiquice e os politiqueiros que da política se servem, seja para ganhar a vidinha, seja para enaltecer o seu ego.
Os “políticos” que o são apenas quando lhes dá na real gana, quando vislumbram à sua frente um tapete vermelho a indicar-lhes o caminho do trono cobiçado, que só investem pela certa, que desdenham da política e dos políticos, que se envergonham de ser o que já foram e pretendem voltar a ser – políticos – que se escudam, que actuam com um calculismo desmesurado, que se vangloriam de não ser políticos profissionais, que desdenham do que querem comprar, ou, melhor, do que pretendem lhes seja oferecido em bandeja de prata, que, manhosamente, se calam, que só falam quando lhes convém, que se envolvem em ridículos mistérios, que escarvam no chão com patas trôpegas, medrosas e matreiras, à espera do momento aprazado, para, traiçoeira e covardemente, marrarem, ferirem, ganharem a contenda, sem carácter, sem raça. Estes “políticos” fazem-me lembrar touros sem nobreza. Estes refugiam-se nas tábuas. Aqueles, no silêncio.
Os touros suspiram pelo curro; os políticos de ocasião, pelo seu tabu de estimação.
Como sabemos, a cornada mais sangrenta é a cornada do touro matreiro, é a cornada do touro sem nobreza.

Friday, October 07, 2005

Prof. Cavaco Silva

SEM PERFIL

Há dias, Mário Soares afirmou que Cavaco Silva não tinha perfil presidencial. Ia caindo o Carmo e a Trindade.
Dias depois, Manuel Alegre veio dizer que Cavaco Silva tinha perfil, sim senhor, embora o mais perfilado fosse ele próprio, por ser republicano, laico e socialista.
Cavaco Silva há muito que anda à procura do perfil presidencial e deve estar a sentir muitas dificuldades em encontrá-lo, daí o tabu sobre a sua propalada candidatura. Propalada pelos cavaquistas; silenciada pelo próprio.
Terá ou não Cavaco perfil presidencial?
Para Fernando Pessoa, mais importante do que tudo isto foi Jesus Cristo que não percebia nada de finanças. Ora, é sabido e consabido que se Cavaco Silva sabe alguma coisa é de finanças. Mesmo assim, mais na óptica dos financeiros do que na dos necessitados de financiamento.
Com estes poucos, limitados e tão específicos saberes, Cavaco Silva poderá ter algum perfil para Director-Geral das Finanças, para Secretário de Estado do Orçamento, vá lá para Ministro das Finanças (foi-o durante 180 dias no tempo do Primeiro Ministro Sá Carneiro, fez os jeitos que havia a fazer à política do Governo e logo meteu o rabinho entre as pernas e cavou, indo pregar para outra freguesia) e, no extremo, para Primeiro Ministro (como se sabe, foi primeiro ministro durante dez anos, para mal dos nossos pecados, que ainda hoje estamos todos a pagar as favas). Mas uma coisa é ter perfil para o Governo, a quem cabe “definir as linhas gerais da política governamental, bem como as da sua execução” (art.º 200.º, 1, alínea a) da CRP), pois que é “o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da Administração Pública” (art.º 182.º da CRP); outra coisa é possuir perfil para primeiro magistrado da nação, para Presidente da República, a quem cabe cumprir e fazer cumprir a Constituição, representar a República Portuguesa, garantir a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas (art.º 120 da CRP).
Pelo seu passado, Cavaco Silva manifesta um mau e enorme perfil económico-financeiro e uma falha incontornável no universo político e cultural. Com tanta falta de perfil e com uma tão acentuada e específica formação, como poderia Cavaco Silva representar condignamente a República Portuguesa? Com pendor para a intervenção unidimensional, toda ela virada para as matérias económico-financeiras (tarefa que cabe em exclusividade ao Governo), como poderia Cavaco Silva garantir o regular funcionamento das instituições democráticas, ele que, como primeiro ministro, via em qualquer autoridade pública (do Presidente da República ao Procurador-Geral da República) uma força de bloqueio, desde que ousasse discordar um pouco ou tão somente não concordar inteiramente com ele?
Se isto é ter perfil para Presidente da República Portuguesa, vou ali e não volto. Por vergonha.

Tuesday, June 14, 2005

Não à falta de democracia...

A DEMOCRACIA - OS REFERENDOS - AS ELITES

Ser democrata não é fácil e algumas vezes torna-se muito complicado. Estou numa destas encruzilhadas de que apenas não fujo, por respeito para comigo próprio e os restantes cidadãos do mundo, a começar pelos meus amigos leitores.
Enfrentemos, pois, as complicações, as aparentes contradições, as aparentes incongruências do pensamento de quem se tem por e afirma como democrata.
Defensor da democracia total – política, económica, social, cultural - não espantará a ninguém que eu defenda, em consonância com essa pretendida totalidade democrática (que me leva, que a todos deve levar, penso, a um constante aprofundamento da própria noção de democracia) para lá da democracia formal, da democracia representativa, a democracia participativa.
Falando de democracia participativa, pensando no conceito de democracia directa, salta-nos logo à ideia o raio do referendo.
Não tenho dúvidas que o referendo, num estado de cidadãos cultos, politizados, de recta intenção e ponderada acção, seria a forma de intervenção política, de manifestação da vontade popular mais consentânea com o sistema democrático.
Acontece que o povo, na sua maioria continua a ser inculto, impreparado, facilmente manipulado. Até lá, não nos resta senão confiar nas elites, naquele grupo que, pela sua cultura, pela sua preparação, possam constituir e actuar como a vanguarda de uma comunidade, pronta a servir e a descortinar o interesse público. A história mostra-nos que a humanidade deve muito da sua evolução política, económica, cultural, social, às elites.
Digo isto a contorcer-me todo por dentro, mas com a convicção de que assim foi e assim terá que ser ainda por um bom par de anos, senão mesmo de séculos.
Veio-me esta catilinária à ideia, por causa e a propósito dos referendos para aprovação (para reprovação, afinal) do tratado constitucional europeu.
Com o recurso ao referendo, cujos resultados em França e na Holanda contrariaram frontalmente o poder representativo, os órgãos de soberania dos respectivos países, temo que o projecto Europa-Unida tenha regredido para uma posição periclitante, atirando, na melhor das hipóteses,o desse sonho idealizado, para uma posiçao que contrariará frontalmente o poder representativo, atirando a concretização desse sonho para as calendas gregas.
Este temor (e já Alexandre O'Neil avisou que “o medo vai ter heróis”) é que me fez considerar o valor das elites na história. Se calhar, António Gedeão, não se referia a outra coisa, não pensava no povo em geral, mas nos homens de eleição, nos homens com capacidade de sonhar alto quando imaginou que “o sonho comanda a vida” e que “sempre que um homem sonha, o mundo pula e avança, como bola colorida, entre as mãos de uma criança”.

Wednesday, May 25, 2005

SCUTS

AS SCUTS

Anda no ar uma acesa discussão sobre as SCUTS.
SCUTS, sim ou não?
É sabido que quem tem fome cardos come.
E quem não tem pão para calar o estômago, se puder, compra-o. É evidente. Pois é. Se puder. E se não puder? Morre à míngua, naturalmente. É óbvio. Óbvio é, mas será justo? E é isso que se exige de quem nos governa?
As vias de que aqui hoje falamos é das vias rápidas, das vias fáceis, das vias com segurança, das vias que podem servir de alavanca ao progresso que tanto reclamamos e de que tanto carecemos. É de auto-estradas que falamos, senhoras e senhores, para que possam progredir os tão sacrificados, esquecidos e ignorados interiores da nação.
Aqui chegados, levanta-se mais uma questão: auto-estradas com custos ou sem custos para os utilizadores?
Avancemos devagar, para não tropeçar, para não permitir que nos enganem, para não nos deixarmos cegar com a poeira que anda no ar, com a areia que alguns lançam contra os olhos de ver, clara e limpidamente, as coisas.
Vejamos, pois.
Tecnicamente, as auto-estradas serão vias de acesso rápidas e seguras. Para as caracterizarmos melhor, comecemos pelo Capítulo I “Direitos, liberdades e garantias pessoais” do Título II “Direitos, liberdades e garantias” da Constituição da República Portuguesa, lei fundamental do país a que todas as outras leis e qualquer acto ou decisão de qualquer órgão do poder devem estrita obediência. Estabelece o art.º 44.º da Constituição sob a epígrafe (direito de deslocação e de emigração): “1. A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional”. Passemos os olhos pelo art.º 60.º (Direitos dos consumidores): “1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, ... à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos...” Os sublinhados são meus, para, desde já, realçar o que julgo ser de realçar.
Talvez não seja displicente demorarmo-nos um pouquinho no art.º 80.º, Parte II – Organização económica. Este artigo da C.R.P. que trata dos princípios fundamentais da organização económica, diz-nos que a organização económico-social assenta numa série de princípios, entre os quais: “a) Subordinação do poder económico ao poder político democrático...” E o art.º 81.º (Incumbências prioritárias do Estado) dispõe que “Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: a) Promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas...”
Apenas mais uma citação, para não sobrecarregar demasiado o texto: “Artigo 84.º (Domínio público) 1. Pertencem ao domínio público:... d) As estradas ...”
Daqui se infere que as estradas, qualquer estrada, todas as estradas, são do domínio público, constituem um bem público económico-social que o Estado deve promover prioritariamente para aumentar o bem-estar social e económico das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, segundo o princípio constitucional da subordinação do poder económico ao poder político democrático (o poder não democrático nem o epíteto de poder político merece), garantindo assim a todos os cidadãos o direito de livre circulação, com qualidade e em segurança, protegendo-se assim a saúde e aumentando o bem-estar de todos os cidadãos.
Todos os cidadãos têm o direito de circular nas estradas e não apenas os que, por serem mais favorecidos, mais bafejados pela sorte, podem pagar as pesadas portagens que nos queiram impor. As auto-estradas não são um luxo, são uma necessidade para o desenvolvimento e o progresso do país, para o aumento do bem-estar e da segurança dos cidadãos. De todos os cidadãos, que, potencialmente, e sem constrangimentos económico-financeiros, devem ser tomados como beneficiários daquele bem público, como utilizadores de toda e qualquer via de acesso. Vou mais longe e mais fundo, afirmando que todos somos utilizadores, todos somos beneficiários das auto-estradas, das estradas em geral, mesmo aqueles que nunca venham a rodar numa delas. Desde o produto que chega, ao produto que se escoa mais rapidamente e em boas condições, desde o doente em risco de vida que é conduzido com rapidez e segurança ao hospital onde lhe podem ser ministrados os meios indispensáveis à recuperação da saúde, até ao turista que se desloca comodamente e em segurança, nos visita prazenteiro, aprecia a paisagem, o artesanato, a gastronomia, consome os produtos locais, gasta, satisfeito, parte do seu pecúlio, enriquece, sem dar por mal empregado, a economia regional, parte com vontade de voltar e com o propósito de recomendar aos amigos e vizinhos uma visita, enaltecendo inclusivamente os fáceis, cómodos e seguros acessos, em vez de lamentar que não há bela sem senão, que o pior é lá chegar por trancos e barrancos, sempre com o credo na boca. Aquilo é lindo, mas fica no fim do mundo, por detrás do sol posto, perde-se um tempo infindo para lá chegar e para de lá se sair. É lindo, é bom, tenho pena, mas ninguém me convide a voltar lá segunda vez. E, sabendo o que sei, não o recomendo a ninguém. Mas é pena. Lá isso é.
Será que até no que toca à utilização de uma auto-estrada, bem público ao serviço do público, somos catalogados em cidadãos de primeira, cidadãos de segunda e cidadãos de terceira? Serão as auto-estradas um vício, um luxo? Será que as auto-estradas devem ser vistas e utilizadas como pistas de corridas, como passadeiras das vaidades, onde os endinheirados podem meter prego ao fundo nos seus bólides, e assim satisfazerem os seus egos tão carentes de valores, para no dia seguinte, qual pavão de cauda aberta e papo inchado blasonarem os seus “feitos” junto dos amigos parvalhões e embasbacados?
Se assim fosse, claro que só quem por elas se pavoneasse deveria pagar as auto-estradas. “Quem não tem dinheiro não tem vícios”; “quem quer luxos paga-os” - diz o povo e com razão.
Mas, volto a perguntar, uma estrada, uma auto-estrada é um vício? Será um luxo? Se fosse um vício, haveria que erradicá-lo da sociedade, o que nos levaria a gritar em uníssono: abaixo as auto-estradas – scuts ou não scuts. Se é um luxo, como é que um país, consabidamente pobre, atrasado, carente dos bens mais essenciais, com uma saúde periclitante e uma educação tão frouxa, se dá ao luxo de gastar milhões em auto-estradas, em luxos tão caros? Então, melhor seria gastar esses milhões em escolas, hospitais, saneamento básico, higiene, limpeza e outras coisas que tais. Luxos é para quem pode e não para quem quer. E seria caso para perguntar: que governos foram estes, que têm gasto tão grande fatia dos sempre parcos orçamentos nacionais em auto-estradas, em vias rápidas e seguras, em luxos tais? Não será de mais?
Eu respondo que não só não tem sido de mais, como são ainda precisas muitas mais. Façam-se auto-estradas para o interior do país há tantos séculos ignorado, espoliado, lançado ao abandono e ao desprezo. Uma auto-estrada deve ser tida como um bem de primeiríssima necessidade, como um dos motores de arranque, dinamizadores do desenvolvimento, do progresso e do bem estar das populações. De todos e não apenas dos sortudos. Como meio impulsionador da economia e do nível de vida, as auto-estradas, tal como os caminhos de ferro, devem ser encarados como meios de se criar e aumentar riqueza para uma região, para o país em geral. Logo, os gastos com uma auto-estrada têm que ser tomados como um investimento público, como um meio poderoso de desenvolvimento, de progresso, do aumento do PIB (Produto Interno Bruto), como fonte de riqueza da comunidade, do Estado, do país. Os custos de uma auto-estrada, como de uma escola ou de um hospital devem estar previstos no Orçamento do Estado, devem ser satisfeitos pelo erário público. Este - haja democracia e um sistema fiscal justo, operacional, adequado e eficaz - cresce, deve crescer, crescerá sempre que o PIB aumenta, que a produtividade e a circulação da riqueza acelerem. E assim teremos que, com mais uma auto- estrada a riqueza aumenta, com ela aumenta o erário público e com um erário público, os bens públicos multiplicam-se, tornado-se eles próprios geradores de mais riqueza. E assim teremos a bola de neve do progresso; e assim veremos aumentar o bolo a distribuir por toda a colectividade, para regalo e conforto de todos, para defesa e melhoria da vida de todos.
E não me venham com a história das alternativas. Porque das duas, uma: ou há alternativas sempre e para tudo, nem que seja andar de burro; ou a verdadeira alternativa a uma boa, rápida e segura estrada, a uma auto-estrada, só poderá ser uma boa, rápida e segura estrada, uma auto-estrada. Mas se nós nem uma temos, quem é que já está a pensar numa segunda, como alternativa? Ou voltamos à velha e revelha história dos cidadãos de primeira e de segunda? Os de primeira que vão na paz do Senhor pela auto-estrada, pela luxuosa não SCUT; os de segunda que arrisquem a própria vida, se preciso for, que hipotequem o seu tempo e a sua freima nas pobres alternativas, que muitas vezes mais abismos são do que meios civilizados de comunicação.
Perante tudo isto e o muito mais que poderia ser dito e aprofundado sobre o assunto, fácil será responder com argumentos e ponderação à tão premente, actual e primordial questão: SCUTS, sim ou não? Claro que sim. Muito em especial as que sirvam as regiões mais pobres, mais desfavorecidas.
Apetece-me terminar com a transcrição de um texto que um amigo meu escreveu no dia 7 de Março do corrente ano, no IPO (Instituto Português de Oncologia):
“Ao entrar no meio hospitalar como utente ou paciente, o doente vai passando por diversos momentos de exames e análises que condicionam expectativas de vária ordem. E, nesses exames, descobre, ali à mão, o poder da ciência e da alta tecnologia e, de uma forma ou outra, não pode deixar de se perguntar: quem paga tudo isto?
Pelo nosso país está a passar ferozmente a ideia de que “quem usa é quem deve pagar”. E, então, quem não pode pagar, que é a larga maioria da população, como faz?
A medicina nem a saúde é uma mercadoria que se venda como carros, casas ou pizzas. Por isso, o doente torna-se, quase inconscientemente, um defensor extremo do bonito princípio da solidariedade humana: todos por um e um por todos na defesa da Segurança Social. Trata-se de um bem comum e de um bem público ao serviço dos cidadãos e não ao serviço de chorudos lucros das Seguradoras”.
Este meu amigo faleceu no dia 10 de Setembro último, vítima de um cancro nos pulmões.
As vias de comunicação - estradas, auto-estradas, caminho de ferro... - são os pulmões de um país, de uma região, capazes de insuflar ar fresco, de proporcionar uma boa corrente sanguínea, um bom e harmonioso desenvolvimento do corpo social. Atrofiar os pulmões económico-sociais é condenar a sociedade a morrer de cancro económico-social.
Como para bom entendedor meia palavra basta, por aqui me fico. Não sem antes expressar o meu sentir: VIVAM AS SCUTS.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004
PS – Como voltaram agora à carga com a questão das SCUTS, a propósito do défice de 6,83%, achei oportuno transcrever aqui este artigo que escrevi no final do ano passado e entretanto publicado no “Tabuaço Informação”, jornal mensal de Tabuaço, Concelho Românico do Douro Vinhateiro, património da humanidade.
Norberto MacedoLembranças de Outono

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