DEMOKRISIS

A CRISE DA DEMOCRACIA

Wednesday, February 02, 2005

APRESENTAÇÃO

Há quem diga que a democracia está em crise. Há quem diga que a democracia sempre esteve em crise. Há quem diga que a democracia estará sempre em crise. Há quem diga que não há democracia sem crise. Se calhar, todos têm razão. Se calhar, a democracia está, sempre esteve e sempre estará em crise. Se calhar, a democracia é crise. Se calhar, sem crise não haverá nunca democracia. Se calhar, a democracia é uma fogueira, susceptível de aquecer os corações humanos. Se calhar, como qualquer fogo, a democracia apaga-se, arrefece e esfria sempre que não se atice o lume, sempre que não se rachem cavacos e se ponham a arder na lareira. Se calhar, todo e qualquer cidadão tem o direito, mas sobretudo a obrigação de alimentar a fogueira da democracia. Se calhar, é por isso, por uma questão de dever, que, no uso do meu direito de intervir, crio este blog que vou tentar ir alimentando, meio a sério... meio a rir, e assim ir lançando algumas achas para a fogueira. DEMOCRISE é a minha lareira onde todos se podem aquecer e contribuir para que o lume se não apague nunca, com o seu cavaquinho, com seriedade, se possível acompanhada de um sorriso franco e satisfeito, sem nunca dar o cavaco, sem enfado ou zanga, com bonomia e boa disposição, com vontade de acertar e de aceitar a opinião dos outros, desde que apresentada com lisura, frontalidade e recta intenção.
Avancemos, pois, que a democracia tarda.

MEIO A SÉRIO...

1. Demokracia - a raiz do mal.
2. Krisis - a raiz da crise.
3. Democrise - Democracia em crise. A crise da democracia.
4. Democrise - Artes do demo ou artimanhas dos diabretes da política?


1

DEMOKRACIA – A RAIZ DO MAL


A culpa é dos gregos. Dos gregos helénicos. Dos gregos da Grécia antiga, que foi, ao que consta, a madre da democracia, que foi, pelos vistos, onde tudo começou. Foi aí que o mal (essa erva daninha a que deram o nome de DEMOKRACIA, e que nós hoje apelidamos, ufanamente, de democracia) surgiu, medrou e deu fruto. Fruto envenenado que ainda hoje nos obrigam a deglutir, para desespero da mais jubilosa e crédula esperança.
Se não fossem os gregos não haveria democracia e tudo continuaria, como dantes, em paz e sossego. Encontrar os culpados é o primeiro grande passo de toda a investigação que se preze, o indispensável passo para que se faça justiça. Condenem-se os culpados e tudo regressará à normalidade. À normalidade democrática, como convém. A quem? A quem dela beneficia, naturalmente. Mas quem é que dela beneficia? A coisa, assim, aperta, mas, muito sumariamente, poderá concluir-se que os mesmos de sempre. E aqui é que reside o busílis.
Mas voltemos à culpa e aos culpados – aos gregos e à Grécia.
A história diz-nos que os culpados foram os gregos, que inventaram a democracia , já lá vão mais ou menos cinco mil anos. Muito ruim deve ser a cepa que, regada e alimentada durante tanto tempo ainda não produziu frutos que valha a pena contemplar, provar e saborear.
Miremos, pois, a cepa. A democracia nasceu com o sedutor rótulo de Governo do povo. Como todos pertencemos a um povo, a democracia seria o poder, o governo de todos. Seria. Mas será? Logo no princípio, não foi. O conteúdo nunca condisse com o continente, nem o rótulo com a substância. A democracia nasceu e desde logo foi apenas para alguns. Na visão mais optimista, dela beneficiavam apenas quarenta mil. Há quem sustente que tão somente dez mil.
O grosso da coluna continuou escravo, servo, servidor, fora do sistema, abaixo do poder, subjugado ao poder, sob a pata do poder. A tirania continuou por muitas e más centenas de anos. Até na Grécia, a “pátria” da “democracia”. Os anos rolaram, com vozes que de vez em quando clamavam pela igualdade, pela dignidade de todos os homens, pela libertação dos oprimidos, mas que só eram ouvidas no deserto e cedo se viam amordaçadas nas masmorras, silenciadas a ferro e fogo nas praças, penduradas em alguma cruz para gáudio da canalha.


Muitos anos depois surgiu o NOVO MUNDO.
Depois de ensopado no sangue indígena e erguido à custa do trabalho escravo, eis que surgem vozes a apregoar as virtudes da democracia. Lincoln ousou mesmo aprofundar a designação de tão bendito sistema: “democracia, o poder do povo, pelo povo e para o povo”. E estava tudo dito. Estava e está. No dia em que tal acontecer, eu quero ver; e no local em que tal sistema se erguer, eu quero viver. Eu e a maioria absolutíssima dos homens e das mulheres. Resmungariam, como sempre, os tiranos, os dominadores, os privilegiados, os egoístas do poder ,como é fácil supor. Só que esses são uma minoria tão insignificante que o ranger deles não faria mossa. Mossa faz o seu poder, o poder imposto por tão poucos a tantos, em benefício de tão poucos, em prejuízo e com o sacrifício de tantos.



Não há dúvida que as aparências da democracia são vistosas, atraentes. A democracia regala o olho. À vista desarmada, seduz qualquer pessoa. O pior é passar do namoro ao casamento, do enamoramento à institucionalização, da teoria à prática, das ideias aos actos.
Um dia, entre duas charutadas, Churchil exalou a célebre baforada: a democracia não presta, mas não há outro regime melhor. Dentro do já experimentado pela humanidade, fácil será aceitar que não existe melhor regime do que uma democracia, apesar desta não prestar. Moral da história: à falta de melhor, usando as virtualidades do que não presta, haverá que pugnar por uma democracia que preste. No entanto, não poderemos esquecer nunca que, após múltiplas tentativas e experiências, depois de ensaiados vários tipos de democracia, esta continua a andar pelas ruas da amargura.
Porquê?
O que fazer?
Neste pequeno e despretensioso livrinho vou tentar responder a estas e outras questões, não através de grandes lucubrações intelectuais, mas tentando apenas evidenciar o óbvio, aplicando na explanação do tema a velha “teoria” do ovo de Colombo.
.

2

KRISIS – A RAIZ DA CRISE



Krisis é a raiz da crise. A raiz etimológica, entenda-se, que a raiz da crise real, da crise concreta, da crise sentida no dia a dia, no quotidiano individual e colectivo, é mais funda e é múltipla.
Há crises boas, prenhes de esperança, capazes de mobilizar fraquezas e forças, revolver tripas, catapultar, demover céus e terra, remover montanhas, contornar obstáculos, aplanar vales, construir diques, aplanar caminhos, semear desertos, amainar tempestades, construir a bonança.
Há crises más que nos subjugam, nos arrastam para abismos insuspeitados, nos desalentam, crises que só uma boa crise, daquelas de colocar tudo em crise, a chamada crise de crescimento, a crise susceptível de remover montanhas, pode ultrapassar.
A democracia está em crise. Sempre esteve. Sempre estará. Crise boa ou má? Em meu entender má. Daí a necessidade de transformar a crise que vivemos, a má crise, a democrise, em crise democrática, vivificadora, criadora, redentora, susceptível de criar esperança.
Só esta determinação justifica o título e o conteúdo deste livro - DEMOCRISE.
Crise na democracia.
Porquê?
O que fazer?
Que surpresa nos poderá reservar a utilização da velha “teoria” do ovo de Colombo?
Pelo menos isto: pensar nela, na demococrise – na democracia e na crise – reflectir e descobrir o que todos já antevemos, mas não vemos, se calhar por causa dos véus, (talvez mais ajustadamente da areia) que os usurpadores do poder, os manipuladores das consciências, os monopolistas da democracia nos atiram para os olhos, para que não vejamos o óbvio, para que não exijamos de vez o que nos usurparam e tanto nos querem sonegar.
Por isso, mãos à obra. Por isso vos exorto, caros leitores, em primeiro lugar, à leitura deste manifesto, de olhos bem abertos, para que tudo seja visto, claramente visto. Não apenas o que aqui está escrito, mas principalmente o que, através do que está escrito, saibamos ler, consigamos ver, possamos alcançar. A seguir, tiremos as devidas conclusões para, então, agirmos em conformidade.



3

DEMOCRISE

(DEMOCRACIA EM CRISE – A CRISE DA DEMOCRACIA)


A crise da democracia radica desde logo e essencialmente no facto de não dar a bota com a perdigota.
A bota é a forma, o modelo, a vasilha, a teoria, a definição. A mais utilizada e porventura a mais apetecida será a atribuída a Lincoln que define a democracia como o governo do povo, pelo povo e para o povo. Por isso, será a que vamos ter sempre em mente, como paradigma, como objectivo a atingir.
A perdigota é a cuspidela, o fogacho, a baboseira, o ditirambo, a prática, o que tem sido a democracia ao longo dos tempos, muito principalmente nos tempos mais recentes, no nosso tempo, uma vez que é aqui e agora que vivemos, é aqui e agora que nos devemos situar, é aqui e agora que podemos e devemos actuar.
Grande é a diferença entre o ser e o existir. Medonho é o fosso que separa a teoria da prática, as palavras dos actos, as boas intenções das boas acções, o discursos da praxis. Uma coisa é a areia que nos lançam para os olhos; outra coisa é aquilo que os salteadores do poder, depois de nos cegar ou tentar cegar, de nos amordaçar, para melhor se apoderarem dele fazem com esse poder de que, democraticamente, fomos usurpados. Mais ou menos descaradamente, mais ou menos com paninhos quentes, mais ou menos com pezinhos de lã, mais ou menos com o nosso beneplácito, a verdade é que acabamos por ser esbulhados do poder que, por definição, deveria ser de todos e exercido por todos, para bem de todos.
Como se dá o assalto e pratica o esbulho? De várias e desvairadas formas, a mais sofisticada e enganosa das quais é a chamada democracia representativa, considerada a mais democrática, mas a mais eficaz, alienante e esbulhadora, aquela que é perpetrada através de eleições gerais e secretas, a resultante do voto, da eleição de quem não conhecemos de todo, ou de quem apenas conhecemos a máscara, o discurso, a tal poeira atirada contra os olhos dos votantes.
Como a democracia tout court deu no que deu, há que adjectivá-la, para engodo dos que a sustentam no andor – o povo, os cidadãos, os eleitores. Daí o falar-se em democracia formal; democracia pluralista; democracia representativa; democracia participativa e até democracia popular que, dada a definição acima evidenciada, constituiria um pleonasmo, uma autêntica redundância, não fora o ela, a democracia tout court, nunca ter descido à àgora, nunca se ter firmado nos areópagos da governação, da política, da arte de bem governar a polis.


7 Comments:

  • At 3:26 PM , Blogger Andre Moa said...

    This comment has been removed by a blog administrator.

     
  • At 3:27 PM , Blogger Andre Moa said...

    This comment has been removed by a blog administrator.

     
  • At 4:44 AM , Anonymous Anonymous said...

    Gostei da dissertação! Vamos lá ver o que hoje vamos ouvir dos intervenientes no teatro político.

     
  • At 8:54 AM , Anonymous Anonymous said...

    Apesar de todos os desânimos, valha-nos a democracia e o nosso direito a ter a pretensão ou a sublime ilusão que conseguimos pôr no poder seres humanos mais honestos e preocupados com o mundo das pessoas reais e não os velhacos que, a maior partes das vezes, só por serem demagogos bem falantes, atingem os mais altos graus do poder do DEMO.

     
  • At 11:32 AM , Anonymous Anonymous said...

    Que aula de política. Muitos professores deveriam ler e reflectir este tema antes de entrarem nas salas Universitárias. Um Hino à Democracia.
    Parabéns

    Suor do Xisto

     
  • At 2:59 PM , Anonymous Anonymous said...

    Este Blog está a ter uma saída danada! Boa!!!!

     
  • At 1:17 PM , Anonymous Anonymous said...

    Caro André Moa,

    Parabéns pela criação de um blog com tão elevada intenção. Genericamente concordo com o que nele está escrito. Os momentos de crise podem funcionar como grandes oportunidades para a democracia se revigorar. Num quadro de liberdade, têm mérito os que tentam gerir devidamente a res publica e não conseguem e os que, substituindo os primeiros, logram, como desejava Platão (séc. IV, a.C.), “conduzir a cidade da injustiça à justiça”. Se o povo teimar em permanecer eternamente ausente do processo histórico, criminosamente estirado em total apatia cívica, não há nem haverá nunca politicologia que lhe valha. Se é verdade que, como canta Camões (sé. XVI), “um fraco Rei faz fraca a forte gente”, também é certo que um país de débil consciência cívica só pode engendrar ruins governantes. Independentemente da cor política!

    Com um abraço de fraterna estima,
    Arlindo de Sousa

     

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